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A crise do BES


Kubrick
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Por acaso no outro dia comentei com um colega meu que o SCP estava bem tramado com a crise do BES, mas ele depois avançou, e bem, que o SCP negociou em boa hora, a forma de pagamento da dívida com BES e BCP no acordo de reestruturação onde está vinculada a obrigação do SCP em ter de cumprir os orçamentos aprovados, ou seja, o BES/BCP até podia fazer pressão para nos apressarmos a pagar a dívida, mas com o que foi acordado e desde que o SCP respeite o orçamentos, não está previsto o pagamento da mesma a curto prazo. Já sobre os empréstimo obrigacionistas, estando o BES em crise, pode parar a mama do dinheiro. No caso do SCP o ultimo foi de 15M e se vendermos algum jogador tipo William, conseguimos pagá-lo sem pedir outro para o fazer. No caso do SLB acho que o ultimo foi de 85M. Já é diferente... Acho que a unica coisa que pode mudar realmente é a facilidade em obter crédito ou empréstimos... Se o banco implodir, a dívida deve passar para outra entidade. Dessa ninguém se livra!

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Ricardo Salgado detido

quando estava em casa, no Estoril

quinta-feira, 24 julho de 2014 | 09:14

Ricardo Salgado foi detido esta quinta-feira quando estava em casa, no Estoril, no âmbito da Operação Monte Branco, avança a CMTV.

O ex-presidente do BES vai ser ouvido em tribunal ainda esta manhã.

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A queda de um Santo, por Pedro Santos Guerreiro

 

Ricardo Salgado acaba mal e acaba só. O grande banqueiro era afinal péssimo gestor, arruinou um grupo familiar de 145 anos e saiu expulso do BES. Mas não há vazios de poder: quem dominará agora? Quem vai ser o Dono Disto Tudo? Este texto propõe uma resposta.

 

Talvez seja apenas um mito e Mayer Amschel Rothschild não tenha mesmo dito aquela frase no século XIX: "Deem-me o controlo do dinheiro de uma nação e pouco me importarei com quem faz as suas leis." Ficou a frase infame e a família famosa, os Rothschild, que já não são os banqueiros mais importantes da Europa mas cuja descendência prevalece.

 

No mesmo século XIX, uma família portuguesa de banqueiros era fundada por um órfão, a quem por isso mesmo chamaram de Espírito Santo, e que atingiu o ponto mais alto da sua influência já no século XXI. Depois - agora - os negócios faliram, num escândalo internacional de desonra. A família perde tudo. O movimento é tão poderoso que pode significar uma mudança de regime na economia portuguesa. Há uma rede de poder que desaba. Outra emergirá. 

 

Como foi possível que um império tamanho se perdesse entre dois verões, sem invernos que anunciassem a ruína ou primaveras que a redimissem? Talvez a resposta esteja noutra pergunta: como foi possível sequer construir este império tamanho? A resposta é, agora, fácil: não foi possível. Não era um império. Era um conglomerado descapitalizado, opaco e mal gerido. A plácida cascata de ativos, que criou um sistema de minorias acionistas encadeadas que garantia o controlo familiar com pouco capital, tornou-se uma torrencial cascata de passivos. 

 

É impressionante tudo ter acontecido debaixo dos olhos da comunidade, incluindo poderes políticos, reguladores, auditores, concorrentes. Ao contrário do BPN, que "sempre se soube", no BES nunca se soube de nada. Escrevia-se sobre a opacidade e a complexidade do grupo, mas não havia denúncias nem sequer suspeitas conhecidas. O poder do BES era imenso. E era um poder de um homem, Ricardo Salgado, 70 anos acabados de fazer. Sintomaticamente, o líder da família desde o final dos anos 80 não tinha número dois. Era costume dizer-se que o BES era como um comité central do Partido Comunista, não havia "vices", havia o líder e o resto. Era um poder total, bajulado e quase incontestado. 

 

O poder hegemónico

A primeira vez que falei sobre o assunto foi em julho de 2009, há cinco anos, num encontro à porta fechada do Projeto Farol, que decorreu no Pavilhão de Portugal. O Farol, um think tank liberal, convidara-me para fazer uma apresentação sobre fatores de bloqueio da economia portuguesa e eu escolhi o BES. Na minha tese, o problema não era o BES ser poderoso, era ser hegemónico.

 

O jornalista José Manuel Fernandes estava no encontro e, mais tarde, convidou-me para escrever essa análise para o Anuário da Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde está publicada. Dos três eixos de poder da década anterior, restava um: o BCP, muito ligado à Teixeira Duarte, Cimpor, EDP e depois à Caixa, Berardo, Fino, estava prostrado; o BPI, muito ligado a grandes empresas do Norte, incluindo o Grupo Sonae, tinha-se virado para Angola; restava o BES e a sua linha de poder com a Portugal Telecom, Ongoing, Mota-Engil, mais tarde a EDP e José Sócrates.

 

A falta de oposição entre eixos financeiros permitira uma afirmação do BES que, juntamente com o BCP e a Caixa, lucraram muitos milhões concedendo crédito no imobiliário e nas obras públicas, onde estariam a maior parte dos grandes problemas da economia, com malparados gigantes, obras paradas a meio, transferências para fundos de reestruturação.

 

Nessa minha tese, estes bancos haviam "fabricado" lucros, dividendos e prémios de gestão. Os créditos, que constituíam lucro nos primeiros anos, virariam graves prejuízos no futuro. Os bancos foram sendo esventrados. No ano 2000, BES, BCP, BPI e Banif valiam em Bolsa um total de 18 mil milhões de euros. Os mesmos bancos valem hoje menos de sete mil milhões. Apesar de muitos dividendos entretanto pagos, a destruição de valor é evidente. Houve aumentos de capital em catadupa.

 

É hoje possível argumentar que, apesar de a intervenção externa de 2011 se ter feito por causa das contas do Estado, ela acabou por permitir uma gestão controlada e até disfarçada dos problemas enormes que estavam nos balanços dos bancos. Já foram reconhecidas nas suas contas mais de 24 mil milhões de euros de perdas reais e potenciais. E é essencial perceber isto para compreender o que se passou no Grupo Espírito Santo. 

 

Paradoxalmente, a devastação na economia portuguesa que foi acelerada com a intervenção externa de 2011 não havia produzido até aqui nenhuma grande falência. Houve algumas construtoras de média dimensão, empresas de turismo e de imobiliário a caírem ou a serem resgatadas, mas não houve nenhuma queda abrupta de um grande grupo. Na verdade, tal foi sendo possível precisamente pela gestão controlada da banca. Muitas empresas zombie foram sendo transferidas para fundos de reestruturação, outras tiveram as suas dívidas reestruturadas, sempre com perdões indiretos da banca. Na maior parte dos casos, porque os próprios bancos não queriam (ou não podiam) assumir todas as perdas, sobretudo numa altura em que a pressão regulatória europeia obrigava a sucessivos aumentos de capital para garantir rácios de solvabilidade. Em muitos outros casos, porque o "sistema" funciona assim: preserva-se. 

 

Assim foi com aquele que teria sido o maior estoiro na economia portuguesa: o Grupo José de Mello. O caso foi então noticiado mas estranhamente teve pouco impacto na sociedade. Por causa do corte do rating do Estado para nível lixo, em 2011, os bancos estrangeiros exigiram o pagamento imediato de empréstimos a muitas empresas portuguesas. Ao Grupo Mello foram exigidos mil milhões de euros, o que tendo em conta a quebra das receitas da empresa e o desequilíbrio entre ativos e passivos a colocou num estado crítico, sendo necessário "entrar" com o próprio património da família e, mais tarde, retirar a Brisa de Bolsa para a revalorizar e aceder a mais dividendos.

 

O problema ainda hoje não está ultrapassado, embora esteja controlado. Mas nada disso teria sido possível se, em 2011, o Grupo José de Mello não tivesse tido o apoio dos bancos portugueses, que então substituíram os bancos estrangeiros como seus financiadores. O trio do costume, Caixa, BCP e BES injetaram mil milhões no grupo, que assim pôde pagar aos bancos estrangeiros Santander, Deutsche Bank e Société Générale. 

 

A grande falência aparece agora e é muito maior: o Grupo Espírito Santo. Inteiro. Uma derrocada, de cima para baixo. Mas como? Assim: anos e anos de prejuízos não assumidos, operações que não geravam cash flow, investimentos nunca recuperados à custa de dívida sobre dívida nas próprias participadas, que ficavam pendurados nas contas como se estivessem bem. Pura má gestão e algumas ligações perigosas, com Angola à cabeça. Mas as holdings de topo, com contas opacas e triangulando várias praças financeiras, escondiam uma montanha de passivo, para mais agravada com dívidas que não estavam registadas nas contas, num total de 1,3 mil milhões de euros, o que pode constituir prática criminal.

 

A situação tornou-se insuportável quando a dívida, além de ser grande, passou a ser em grande parte de curto prazo. O famoso papel comercial tornou a pressão sobre a tesouraria intolerável e sujeita a enorme risco. Pior do que isso: contaminou o BES. 

 

Como a família perdeu o BES

Foi assim que a família perdeu o controlo do banco, primeiro na gestão, depois na própria posse das ações. Se os problemas de dívida no Grupo Espírito Santo eram já enormes, o contágio ao banco foi um passo deliberado e aconteceu no último ano. Talvez fosse uma última tentativa de evitar a rutura, mas transmitiu o problema das holdings de topo pela cascata abaixo até ao banco, o que constitui um pecado mortal e dificilmente compreensível. 

 

A falência poderia ter sido apenas da holding ES International, o que seria um escândalo que arrastaria a família Espírito Santo, mas não contaminaria as empresas nas holdings inferiores. 

 

Mas, no início deste ano, Ricardo Salgado começou a transferir os passivos da ES International para a RioForte, contaminando-a irremediavelmente. A Espírito Santo Financial Group e o BES concederam crédito às holdings de cima, ficando também desse modo contaminadas. E o BES expôs os seus próprios clientes ao risco, quando os pôs a financiar o GES, primeiro através de fundos de investimento como o ES Liquidez, depois através do papel comercial. Era difícil ter sido mais destrutivo.

 

Se o Banco de Portugal não tivesse forçado a constituição de provisões para pagar aos clientes de retalho do papel comercial, a hecatombe dos clientes teria sido devastadora. Um BPP multiplicado muitas vezes. 

 

O que levou o GES à crise revela no mínimo incompetência, mas a própria gestão da crise desde o fim do verão do ano passado foi desastrosa, revelando uma equipa bloqueada, em negação e obcecada por uma guerra interna de sucessão. Como criticou Fernando Ulrich recentemente, a informação financeira foi sendo relevada aos poucos, cada comunicado trazia um novo número, nunca houve transparência total e tudo isso gerou uma desconfiança insanável dos mercados, sobretudo depois de os investidores terem acreditado no BES para um derradeiro aumento de capital de mil milhões de euros há cerca de dois meses. Esses investidores sentem-se enganados. Têm boas razões para isso. Mas houve mais: foram sendo anunciados aumentos de capital na RioForte que nunca aconteceram, vendas em Bolsa que não ocorreram, reestruturações que não existiram. Tudo colapsou, estrondosamente. 

 

A melhor definição que ouvi até hoje sobre o sistema de poder económico em Portugal foi dada por Paulo Morgado, líder da filial portuguesa da Cap Gemini. Mais do que uma estrutura hierárquica piramidal, ou de que um polvo com tentáculos, o poder em Portugal assenta num sistema em rede. É, descreveu Paulo Morgado, como um jogo de micado: vários paus cruzam-se e é quase impossível mexer num sem tocar noutros.

 

Essa interdependência serviu ao mesmo tempo de rede de sustentação e de força de resistência passiva. Ninguém ousava dar um murro na mesa e atirar as peças de micado todas pelos ares, o efeito sistémico seria imprevisível. A falência do Grupo Espírito Santo e o afastamento da família é esse murro na mesa e sim, tem efeito sistémico, porque arrasta centenas de empresas com milhares de trabalhadores. Alexandre Soares dos Santos já disse que o efeito é "brutal, brutal, brutal..." 

 

Hoje, Ricardo Salgado é um homem só. Poucos dos seus aliados ainda o são, muitos dos seus mais próximos já deixaram de o ser. Começou por aqueles que eram enfeitiçados pelo dinheiro ou mesmo pagos pelo Grupo: esfumaram-se. Passou depois para os amigos, para a família, para os clientes, para dentro do banco.

 

É preciso perceber a mitificação que existia à volta de Ricardo Salgado, em muitos membros da comunidade mas sobretudo dentro do Banco Espírito Santo. Os quadros falavam de Salgado como de um banqueiro predestinado, um líder de que se orgulhavam, um homem que estaria sempre acima dos desafios e dos seus pares. Foi assim pelo menos até novembro do ano passado, quando começou a guerra na família. Mas mesmo no princípio da fase mais aguda da crise, muitos quadros do banco recusavam-se a aceitar a informação que ia sendo divulgada, como se o grupo estivesse a ser alvo de conspirações.

 

De alguma maneira, a situação foi semelhante no BCP aquando da crise de Jardim Gonçalves: era venerado pelos seus quadros, a incredulidade foi semelhante. Acresce que, no caso de Ricardo Salgado, muitos se sentiram mais do que dececionados: sentiram-se traídos. Esse terá sido o caso de Amílcar Morais Pires e de outros altos quadros do BES: indefetíveis até ao fim, foram deixados cair.

Curiosamente, Salgado foi negociando com quem o traíra a ele. Como Pedro Queiroz Pereira, com quem acabou por fechar um negócio que separou os dois grupos familiares. Com Carlos Costa, que lhe foi tirando o tapete aos poucos. E com José Maria Ricciardi, o seu primo que liderou uma tentativa de "golpe de Estado" em novembro que falhou. Ricciardi falara então com diversos membros da família, isoladamente, para retirar a confiança a Salgado, mas quem acabou isolado foi ele próprio. Teria o desfecho sido diferente se Ricciardi tivesse conseguido afastar Salgado? 

 

Os últimos meses revelaram que, na geração em causa, a família Espírito Santo só tinha dois potenciais líderes, Salgado e Ricciardi, que são tão parecidos um com o outro como o sal é do açúcar. José Maria Ricciardi foi o único a estar frontalmente contra Salgado e o tempo mostrou que tinha razão. Mais: ele podia ter sido o líder que salvaria o grupo. Mas não teve apoio da família. E, sobretudo, nunca teve um plano alternativo a não ser propor-se a si próprio como líder. Teve uma oportunidade história, não esteve à altura dela.

 

Hoje, o resto da família já estará com ele. Ou, pelo menos, está contra Ricardo Salgado. Há uma revolta surda entre os vários membros da família dos demais ramos, sobretudo os que estiveram com ele até ao fim, mas já não estão. Hoje, há membros de uma nova geração a despontar, como André Amaral ou Caetano Barão da Veiga, mas não há muito por que lutar. Dos mais velhos, já mais nenhum se solidariza com Salgado. Lealdade não é o mesmo que fidelidade. 

 

O próximo poder

Voltemos à frase atribuída a Rothschild: os banqueiros sabem que o poder maior numa economia está em criar moeda, o que Portugal aliás já não pode fazer. Em Portugal, o poder maior reside no Estado, através da despesa pública e dos impostos, e nos bancos, pela concessão de crédito. Mesmo nos últimos anos, com menos crédito concedido, o poder dos bancos foi suficiente para decidir a vida ou a morte de muitas empresas, pela renovação ou não renovação de créditos e linhas de tesouraria. Fale com qualquer gestor de uma PME, ele explica. 

 

A queda da família no BES está consumada, mas essa não é a única alteração acionista em perspetiva. É hoje difícil perceber como ficará o poder no banco, que está tomado por muitos acionistas especulativos de curto prazo. Além disso, uma entrada do Estado, ainda que com títulos híbridos, significa uma diluição enorme dos acionistas, incluindo dos investidores que entraram no último aumento de capital e que podem acionar legalmente o banco. Mas é óbvio que o BES acabará comprado, porque acabará vendido, mesmo que seja aos poucos, em mercado. 

 

A queda do BES enquanto eixo de poder poderia ter o efeito reverso que teve a queda do BCP em 2007: abrir caminho para que outro banco assomasse. Contudo, nenhum dos bancos portugueses parece ter a força ou sequer a dinâmica para se catapultar neste momento, até porque o mercado português continua a ser um mau "negócio". Assumindo que não há vazios de poder - sempre que há rei morto, há rei posto -, quem, então, pode assumir as rédeas do poder?

 

A resposta depende menos dos acontecimentos e mais das circunstâncias (Vítor Gaspar vai gostar desta): é o credor estrangeiro. Às vezes chamam-lhe "mercados". O credor torna-se acionista à força e vira investidor. É a força mais poderosa que se abateu sobre a economia portuguesa desde 2010, precisamente por sermos devedores. É o credor estrangeiro que está a reconfigurar a economia portuguesa (e a sua política, que depois de perder as ferramentas cambial e monetária, perdeu agora na prática a liberdade orçamental). É ele que escolhe gestão profissional em vez de familiar, e que prefere sempre fluxos de caixa e qualquer outro tipo de retorno, que pode sempre pressionar o pagamento de dividendos em vez de reinvestimento. É isso que está a acontecer dramaticamente no BES. É isso que vai reconfigurar a economia portuguesa: uma mudança de fora para dentro.

 

O discurso dos centros de decisão nacional sempre foi essencialmente um discurso de poder, e de manutenção desse poder pelo regime vigente. Hoje é um anacronismo ridículo. O investidor estrangeiro já tomou conta. A EDP e a Ren são hoje chinesas, a Ana é francesa, o BCP, BIC, Zon e Optimus são angolanos, o BPI é hispano-angolano, o BES há de ser de quem o quiser, a Cimpor é brasileira, a PT quer sê-lo, a Galp é apátrida e há dezenas de grandes empresas à venda, incluindo hotéis, seguros, saúde e imobiliário do Grupo Espírito Santo, a TAP ou os resíduos do Estado.

 

O sistema mudou porque estava falido. O novo regime fala estrangeiro. Precisa de reguladores fortes, para que produza em vez de extrair riqueza de Portugal. Mas essa é a maior mudança a que assistimos. Não foi a troika que a trouxe, foi a dívida. O triste fim do Grupo Espírito Santo não é senão uma forma dramática e espetacular de o percebermos. Como diria José Sócrates, o mundo mudou.

 

http://expresso.sapo.pt/a-queda-de-um-santo-por-pedro-santos-guerreiro=f882869

 

Interessante. Se calhar é melhor lerem no site, que cansa menos. :Y:

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Quem tirou o poder a Ricardo Salgado? Guia onomástico para perceber como uma conjugação de inimigos derrubou o número um da economia.

 

Ricardo Salgado caiu em desgraça mesmo antes de o Grupo Espírito Santo falhar um só pagamento. Assim foi por causa de uma coincidência de inimigos e de adversários de Ricardo Salgado. Uns aliaram-se, outros encorajaram-se, todos conseguiram romper a barreira dos amigos e aliados de Salgado. Vejamos os seus nomes.

Como no caso BCP, a informação veio de dentro. De fora, não havia informação sobre as contas das holdings de topo, que além disso constituíam um organograma incompreensível de relações entre empresas sediadas no Luxemburgo, na Suíça, nas Bahamas ou no Panamá. Na estrutura, havia acesso a contas, de baixo para cima, do BES, da ESFG (ambas cotadas) e da Rioforte (auditada), mas acima disso já não havia visibilidade. A ES International, que aloja uma dívida superior sete mil milhões de euros, incluindo 1,3 mil milhões que não estavam nas contas, era como se não existisse. Não tinha contas, não tinha equipa, tinha 17 administradores e um contabilista. Parecia uma caixa negra. Foi uma caixa de Pandora.

Só alguém de dentro poderia ter tido acesso a tanta informação. Esse alguém foi o hoje inimigo número um de Ricardo Salgado, o empresário Pedro Queiroz Pereira, provavelmente o único que saiu a rir desta história. Venceu Salgado, deixou-lhe o caminho minado, ficou a controlar o seu grupo familiar (ainda que permaneçam conflitos judiciais com a irmã Maude Queiroz Pereira) e livrou-se do Grupo Espírito Santo, de que era acionista de topo.

Na guerra entre ambos, em que esteve em causa o controlo da Semapa, Pedro Queiroz Pereira criou uma equipa de 16 pessoas, que não fizeram outra coisa se não esgravatar as contas que nem aos acionistas eram mostradas, aceder a escrituras, cruzar informações. Assim constituiu um dossiê que revelava todo o "buraco". Esse dossiê foi parar às mãos do Banco de Portugal. Entretanto, outro inimigo, Álvaro Sobrinho, estava já em guerra aberta com Salgado, tendo como principal arma o conhecimento de casos complexos no BES Angola. E assim chegou o terceiro inimigo, José Maria Ricciardi, que quis virar a mesa quando percebeu a dimensão dos estragos.

Além destes três inimigos, outras figuras foram essenciais para a queda. O juiz Carlos Alexandre e o procurador Rosário Teixeira, que nunca largaram a família Espírito Santo nas suas investigações. E Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, não pelo que fizeram mas pelo que não fizeram: não ajudaram o banco com empréstimos da Caixa, quando Salgado lhes pediu.

Carlos Tavares interveio decisivamente nos produtos de investimento que estavam a drenar dinheiro dos clientes do BES para o Grupo Espírito Santo, e depois exigiu informação detalhada sobre a real situação no Grupo e no banco. Mas o último inimigo decisivo, o único que Salgado colocará ao mesmo nível de Queiroz Pereira, Ricciardi e Sobrinho, será Carlos Costa. O governador do Banco de Portugal liderou todo o processo que forçou a ES International a escancarar as suas contas. E foi ele que forçou Salgado a fazer o impensável: primeiro, afastou-o da gestão do "seu" banco, depois afastou-o do próprio Conselho Geral. Sem Carlos Costa, e a proteção política que Passos Coelho lhe deu, o desfecho teria sido outro. Incluindo o desfecho na administração, para onde entraram Vítor Bento, João Moreira Rato e José Honório, todos apadrinhados pelo Banco de Portugal.

Muitos outros estarão hoje satisfeitos com a queda de Ricardo Salgado. Não porque fossem seus inimigos, mas porque estavam na galeria dos ódios de estimação. Começando por banqueiros com quem houve afrontamentos, como Jardim Gonçalves e Filipe Pinhal no BCP, Fernando Ulrich que na negociação falhada de uma fusão entre BPI e BES encontrou práticas inconciliáveis, e João Rendeiro, que se vê agora parcialmente redimido, por não ser o único e por ser pequeno. António Horta Osório passou para os "ódios" quando patrocinou a OPA à PT pela Sonae, onde Belmiro Azevedo ou António Lobo Xavier estavam (e ficaram) do lado dos adversários de Salgado. Américo Amorim foi outro que tal: sempre desalinhado com Ricardo Salgado.

Mas depois havia os aliados, começando nos próprios banqueiros, que hoje já não dirão o mesmo. É o caso de José Marie Sander (aliado do Crédit Agricole) e Lázaro Brandão (do Bradesco) ou dos colegas de administração Amílcar Morais Pires ou Joaquim Goes: já não são indefetíveis. António de Sousa era outro aliado histórico, assim como Faria de Oliveira, que fazia a ligação entre bancos e política. E na política, tirando os ódios da esquerda (Francisco Louçã à cabeça), houve uma aliança fortíssima e depois desfeita com José Sócrates, que aliás teve como ministro da Economia Manuel Pinho, um homem BES. As alianças estavam sobretudo na direita. Neste Governo, Passos não visitava a Avenida da Liberdade (Vítor Gaspar então, nem pensar), mas Paulo Portas era muito próximo (assim como António Pires de Lima). Durão Barroso, Marcelo Rebelo de Sousa, Eduardo Catroga, Aníbal Cavaco Silva ou Francisco Pinto Balsemão fazem parte do círculo de amigos ou de aliados. Fora de Portugal, as relações iam do rei Juan Carlos de Espanha ao Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Mas nenhum outro terá sido mais influente nesta crise do que o seu amigo, aliado e advogado pessoal: Daniel Proença de Carvalho.

Além da política, outro círculo de poder está dentro da rede de empresas, quer aquelas com as quais há relações acionistas, quer aquelas com que há relações de crédito. Henrique Granadeiro é um caso muito claro, até pela amizade e relação antiga de conselheiro. Granadeiro, que agora é acusado de ter contagiado a Portugal Telecom com dívida do Grupo Espírito Santo, já disse que foi aconselhado no seu investimento pelo BES. O banco tem uma força decisiva dentro da PT, incluindo com Zeinal Bava e com o administrador financeiro Pacheco de Melo. E incluindo com a Ongoing de Rafael Mora e Nuno Vasconcellos, que sempre foram vistos como emanações de Salgado e que prosperaram com dívida do BES e do BCP.

Na EDP, a relação é hoje menos forte, nomeadamente com António Mexia, outro homem BES, mas mais próximo de José Maria Ricciardi. Dentro do GES, há inúmeros gestores que sempre apoiaram Salgado, como Isabel Vaz ou Isabel Ferreira.

Nas grandes empresas há grandes aliados, como António Mota, ou Vasco Pereira Coutinho, além do general Helder Dias Vieira (Kopelipa), em Angola. As relações com gente do futebol alargam-se a Joaquim Oliveira, mas também aos negócios particulares de Luís Filipe Vieira e José Guilherme, que segundo o livro "O Último Banqueiro", agora editado, deu um presente de 14 milhões de euros a Salgado. Maude Queiroz Pereira ou João Lagos são outros aliados antigos do Grupo. Vasco de Mello nunca o foi, mas acabou por ser ajudado pelo BES no processo de reestruturação do seu grupo.

Do outro lado das empresas estão ainda os sindicalistas, como Carlos Silva (da UGT, um dos únicos que defendeu Salgado publicamente nos últimos meses) e Afonso Diz (do Sindicato dos Bancários).

Toda esta rede de poder foi sendo esboroada nos últimos meses. Ricardo Salgado está cada vez mais só. Até que ficou isolado no círculo primeiro e último do seu poder: o da família. José Manuel Espírito Santo, que nos anos 80 defendeu Salgado no processo de sucessão contra o seu próprio irmão, quis ficar de fora do conselho estratégico do banco, demarcando-se. Outro líder da família, o comandante António Ricciardi, alinhou com o filho José Maria contra Salgado. Dos herdeiros de Mário Mosqueira do Amaral e de Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo Silva, e dos seus filhos, não se ouviu ainda palavra.

Mas o sentimento de revolta é generalizado. O verão não vai ser fácil este ano na praia da Comporta. E o inverno será longo para muitos daqueles que sempre viveram com salários, lucros ou créditos do BES.

Texto publicado na Revista do Expresso, a 19 de julho de 2014

Ler mais: http://expresso.sapo.pt/quem-tirou-o-poder-a-ricardo-salgado=f882888#ixzz38Onj0Fts

 

Outro artigo do mesmo tipo sobre o BES.

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Realço uma frase: Nessa minha tese, estes bancos haviam "fabricado" lucros, dividendos e prémios de gestão

Realmente, é preciso ser director de um jornal para perceber isto. É uma alegria, apresentam-se lucros fantásticos, dão-se prémios, distribuem-se dividendos. Há uns poucos a enriquecer. Quando tudo cai por terra, porque, no fundo, é um gigantesco esquema de pirâmide, e o dinheiro dos depositantes já foi todo queimado, não há problema que hão-de ser os contribuintes todos a pagar. Os milhões que essa gente ganhou, esses, estão seguros e já ninguém os vai buscar.

Viva a banca! Benditas privatizações, que levaram este país à ruína...

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Admito que me ri quando ouvi dizer que a reforma que vai ganhar de 900 mil euros era para despesas correntes. Não devia, porque afinal as despesas correntes poderão ser muito superiores.

 

Já viram a reacção do gajo do BPI a este caso? Fui apenas eu que vi ali um sorriso de vingança tremendo?

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Deviam ter sido era 50 milhões, o estado não precisa de dinheiro? Era aproveitar para sacar aqui, o Salgado até 100 milhões pagava se fosse preciso.

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Mas vê isto pelo outro lado. Sim, ele sabia disto, não contava era ser encostado no banco.


**********

 

BES está a ponderar recorrer ao aumento de capital através de injecção de dinheiro público na casa dos 4 mil milhões. Acabo de ver na TVI24.

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lol já estou a imaginar o gajo a passar um cheque de 3M assim como quem vai ali ao café e paga uma imperial.  ^_^

 

 

Pagar a caução com dinheiro possivelmente desviado ou fraudulento é de rei.

 

 

 

Sim ...ao que parece a acusação é por ter recebido 17 milhões de um negócio em angola que não se fez !!!!  logo paga 3 e fica tudo resolvido... tb quero !

Edited by ruit
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