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Maria Do Rosario Pedreira


lunario
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Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais

este dia e eu estou aqui, de guarda aos pesadelos.

Fecha os olhos agora e sossega — o pior já passou

há muito tempo; e o vento amaciou; e a minha mão

desvia os passos do medo. Dorme, meu amor —

.

a morte está deitada sob o lençol da terra onde nasceste

e pode levantar-se como um pássaro assim que

adormeceres. Mas nada temas: as suas asas de sombra

não hão-de derrubar-me — eu já morri muitas vezes

e é ainda da vida que tenho mais medo. Fecha os olhos

.

agora e sossega — a porta está trancada; e os fantasmas

da casa que o jardim devorou andam perdidos

nas brumas que lancei ao caminho. Por isso, dorme,

.

meu amor, larga a tristeza à porta do meu corpo e

nada temas: eu já ouvi o silêncio, já vi a escuridão, já

olhei a morte debruçada nos espelhos e estou aqui,

de guarda aos pesadelos — a noite é um poema

que conheço de cor e vou cantar-to até adormeceres.

.

.

.

Maria do Rosário Pedreira

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por agora fica aqui mais este talvez poste mais

.

Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada

daquilo que disseste quando os meus seios começaram

a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,

murcharam tão depressa as rosas que me deram –

se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu

deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

.

Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão

cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,

só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais

que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos

os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia,

deitei-me com mais homens do que aqueles que amei

e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

.

Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre

caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.

Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez

não chames pelo meu nome, não me peças que fique –

as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me

embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue

de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como

uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

.

Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem

nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta

hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.

Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas

essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre

o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias

foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão

tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam

virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.

.

.

.

Maria do Rosário Pedreira

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