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Das Maravilhosas Ilusões De 1990 Ao Desânimo De 2010


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Como era Portugal há 20 anos? Mudámos muito? Pouco? Para melhor? Para pior?

Se tivéssemos colocado estas perguntas há 20 anos, ninguém hesitaria nas respostas. O Portugal de 1990 era muito diferente do de 1970, e não apenas porque mudara o regime político e regressara aos seus limites europeus: os costumes tinham mudado, estávamos mais ricos, mais livres, sentíamo-nos sobretudo melhor com a vida.

Mas hoje, quando fazemos as mesmas perguntas relativamente ao período 1990-2010, hesitamos.

Por não estarmos mais ricos? Não, olhando para os números de 1990 e para as estatísticas mais recentes (2008), não há dúvida que estamos mais ricos. A riqueza por habitante (o PIB per capita na gíria dos economistas) até aumentou quase 33 por cento em termos reais, apesar de, em média, trabalharmos hoje menos três horas e meia por semana.

Por não estarmos mais livres? É mais difícil responder, mas se pensarmos que hoje é total a liberdade de circulação na União Europeia ou muito maior o número de famílias que escolhe escolas privadas, exercendo na prática o direito à liberdade de educação, até poderíamos concluir que também estamos mais livres.

Será então porque não estamos melhor com a vida? Muito provavelmente. É certo que hoje vivemos mais anos, que a mortalidade infantil diminuiu e que o Estado gasta muito mais dinheiro com a protecção social. Mas, ao mesmo tempo, a taxa de desemprego mais do que duplicou e o peso dos licenciados entre os desempregados mais do que quadruplicou, o que fez do medo de perder o emprego a principal preocupação dos portugueses.

Mas estes indicadores não são suficientes para percebermos por que motivo não respondemos sem hesitar que, nos últimos 20 anos, o país mudou para melhor. Apesar de ter mudado muito.

Um país até 2000, outro depois

Em 1990 Lisboa e o Porto ainda não estavam ligadas por auto-estrada. Em 1990, quando o PÚBLICO saiu, podíamos encontrar nas suas páginas de serviços uma lista dos locais onde havia Multibanco, pois nessa altura apenas existiam 821 terminais em todo o país (no final de 2008 existiam 13.391). Em 1990 ainda utilizávamos o escudo e vivíamos com uma taxa de inflação de 13,4 por cento (em 2009 a taxa de inflação foi negativa). Em 1990 não havia Internet e os telemóveis eram "tijolos" apenas utilizáveis nos automóveis. Em 1990 não havia SIC, nem TVI, nem televisão por cabo. Em 1990 mal se iniciara o tempo dos hipermercados e ninguém imaginava que um dia as "lojas dos chineses" ocupassem os espaços do que antes eram livrarias, antiquários ou mercearias. Em 1990...

O mundo era então um lugar muito diferente - e Portugal também. Mas o mundo e Portugal não evoluíram a par e isso muito contribuiu para a tal percepção de que não estamos hoje melhor com a vida do que estávamos em 1990, bem pelo contrário. Uma parte dessa percepção deriva da nossa posição relativa: há dois séculos, pelo menos, que os portugueses vivem mal sempre que olham para o resto da Europa e comparam os diferentes níveis de desenvolvimento, e a verdade é que nos últimos anos voltámos a atrasar-nos. Mas outra parte dessa percepção de mal-estar resulta de uma inflexão de trajectória que se detecta com alguma facilidade olhando para as estatísticas dos últimos 20 anos. É que parece haver um país entre 1990 e 2000 e um outro país de então para cá.

Tomemos alguns exemplos, começando pelo mesmo indicador que citámos a abrir, o da riqueza por habitante. Em 1990, corrigindo os valores para preços de 2000 em euros, o PIB per capita era de 9125 euros; em 2000 era de 11.957 euros, um salto de 31 por cento. Contudo, em 2008 o PIB per capita só crescera para 12.421 euros, uma evolução de apenas 3,9 por cento. Pior: como em 2009 o país conheceu uma recessão, é natural que mesmo essa evolução anémica tenha sido quase totalmente anulada pela perda de riqueza registada em 2009, o que significará que entrámos no ano 2010 com um produto médio por habitante praticamente igual ao de 2000. Foi como se tivéssemos perdido toda uma década, como se estivéssemos a pedalar no vazio.

Acontece também que a evolução sentida pelas famílias foi ainda mais negativa. Olhando de novo para as séries corrigidas da inflação, verificamos que o valor médio do rendimento bruto dos agregados familiares declarados em sede de IRS saltou de 11.500 euros em 1990 para 16.800 euros em 2001 (o ano em que foi registado o valor mais elevado) e, depois, caiu para 14.600 euros em 2008. É certo que este indicador é menos fiável (pois depende da eficiência fiscal e, também, da dimensão dos agregados), mas não deixa por isso de reflectir uma diminuição no rendimento médio das famílias.

Outro indicador onde também é visível uma clara inflexão com a entrada no novo milénio é o relativo à taxa de desemprego. Em 1990 estava a cair, após ter atingido um pico em meados dos anos 80, e situava-se nos 4,7 por cento. Na última década do século, apesar de ter subido com a recessão de 1993/94, o desemprego continuou a diminuir até se situar, no ano 2000, nos 3,9 por cento da população activa. De então para cá quase nunca deixou de crescer e os últimos dados, referentes a Janeiro de 2010, colocam essa taxa nos 10,5 por cento, o valor mais elevado das últimas décadas.

Pior: o desemprego afecta hoje sobretudo os mais novos, tende a ser prolongado (mais de metade dos desempregados ficam nessa condição mais de um ano) e tem vindo a aumentar o peso relativo dos licenciados.

Uma travagem

inesperada

Estes indicadores mostram um país que, depois de quatro décadas de crescimento mais ou menos rápido, estancou ao entrar no terceiro milénio. Há dez anos que a economia portuguesa não tem encontrado soluções para, mesmo continuando a receber generosas ajudas externas vindas da União Europeia (as transferências líquidas de Bruxelas ainda corresponderam, em 2008, a 1,5 por cento do PIB), continuar sequer a acompanhar o ritmo de crescimento dos nossos parceiros continentais. Parámos, já que devemos terminar a década com um crescimento médio de apenas 0,5 ou 0,6 por cento, insuficiente para criar novos postos de trabalho.

Esta anomia contrasta com o crescimento registado nas décadas anteriores: 7,5 por cento ao ano na década de 1960, 6,1 na de 1970, 4,9 na de 1980 e 3,4 na de 1990. O que mostra até que ponto o modelo de desenvolvimento iniciado há 50 anos, quando Portugal se tornou membro da EFTA, baseado nas exportações de produtos manufacturados e numa mão-de-obra pouco qualificada e barata, está esgotado.

Há pelo menos dois indicadores que confirmam este diagnóstico. O primeiro é a diminuição da população empregada no sector secundário, que subiu de 1,6 milhões em 1990 para 1,7 milhões em 2000 e, em 2009, estava a cair para apenas 1,4 milhões. Nesse ano já representava menos de metade da população empregada no sector terciário, o dos serviços.

O outro indicador reflecte a perda de peso das indústrias transformadoras na oferta de emprego por conta de outrem: em 1990 garantiam 41,3 por cento dos postos de trabalho, em 2007 (último número disponível), já só pesavam 21,4 por cento.

A diminuição do emprego no sector secundário poderia ter correspondido a aumentos de produtividade capazes de compensar não só a criação de menos postos de trabalho como a diminuição do número de horas de trabalho por semana, mas isso só aconteceu de forma muito parcial e, sobretudo, a um ritmo muito inferior ao dos nossos parceiros europeus.

Face a esta situação, será que a massificação do ensino de que tanto se ouviu falar poderá vir a compensar as perdas registadas? Mesmo sem tomar em consideração a qualidade da educação, difícil de descortinar nas longas séries estatísticas, os números disponíveis fornecem sinais contraditórios. Senão vejamos:

- a percentagem de analfabetos diminuiu (passou de 13 para 11,8 por cento), mas continua a ser muito elevada;

- há muito mais portugueses licenciados, pelo que o seu peso na população passou de quatro por cento em 1990 para 11,5 por cento em 2008;

- o número de alunos matriculados num estabelecimento do ensino superior mais do que duplicou, passando de 158 mil para 373 mil, mas tem vindo a cair depois de ter atingido um pico de 401 mil em 2003;

- a taxa real de escolarização no pré-escolar passou de 47,1 para 77,7 por cento (2007), uma vez que o número de crianças neste grau do sistema de ensino passou de 162 mil em 1990 para 266 mil em 2008;

- em contrapartida, apesar de ter aumentado a taxa real de escolarização, no ensino secundário passou-se de 310 mil alunos em 1990 para 477 mil logo em 1996, tendo desde então o número vindo a diminuir para se situar nos 349 mil em 2008;

- um fenómeno semelhante aconteceu ao nível do básico (até ao 9.º ano), onde o número de alunos matriculados tem vindo sempre a descer: eram 1,5 milhões em 1990 e apenas 1,2 milhões em 2008;

- apesar da diminuição do número de alunos no sistema de ensino, a despesa do Estado em Educação passou de 3,9 para 4,4 por cento do PIB;

- ao mesmo tempo que o Estado investia mais em Educação, aumentava a percentagem de alunos a optar por escolas privadas: no ensino básico, o peso do privado passou de 7,2 para 11,4 por cento e, no ensino secundário, saltou de 7,7 para 19,8 por cento.

Por estes elementos percebemos que a massificação do sistema de ensino teve os primeiros efeitos no ensino básico, alargando-se depois ao secundário e ao superior, mas começou já a sofrer com o efeito demográfico da baixa da natalidade. Isto significa que, mesmo sem ter em consideração a qualidade do ensino, o número de jovens que podem aceder e concluir qualquer grau de escolaridade está a diminuir, o que faz com que diminua também o número dos que chegam, todos os anos, com melhores qualificações ao mercado de trabalho. Mesmo assim, esse mercado de trabalho não tem conseguido, sobretudo nos últimos anos, integrar os portugueses teoricamente mais qualificados.

Mais velhos e mais dependentes

Os indicadores do sistema de ensino são os primeiros que nos abrem a porta para uma área onde as mudanças entre o país de 1990 e o país de 2010 são mais marcadas: a nossa composição demográfica. Por comparação com 1990 somos hoje um país mais envelhecido, com maior dificuldade para repor a população e onde começam a pesar os encargos com os mais idosos.

Primeiro que tudo, vivem hoje mais pessoas em Portugal: éramos 9,9 milhões de habitantes em 1990, somos 10,6 milhões hoje. Sensivelmente metade desse aumento populacional deve-se ao crescimento do número de residentes estrangeiros, a esmagadora maioria deles imigrantes: há 20 anos a população não-portuguesa pesava apenas 1,1 por cento do total; em 2008, 4,1 por cento. A presença de comunidades estrangeiras vindas, como imigrantes pobres, já não apenas de África mas também do Brasil e da Europa de Leste, é mesmo uma das principais mudanças na realidade portuguesa.

Depois, vivem no nosso país menos jovens e há mais idosos. A população com menos de 15 anos já só representa 15,3 por cento do total quando, em 1990, pesava 20 por cento. Em contrapartida,há já vários anos que o número dos que contam mais de 65 anos é superior ao dos que têm menos de 15. Em 2008 os residentes com mais de 65 anos correspondiam a 17,5 por cento da população, contra os 13,6 por cento registados no Censo de 1991.

Esta evolução confirma uma tendência que vinha de trás e, ao contrário do que sucede noutras áreas, não se nota aqui qualquer quebra ou inversão de rumo nas séries estatísticas.

Há mais idosos sobretudo porque a esperança de vida tem continuado a aumentar: nos homens passou de 70,6 anos em 1990 para 75,5 anos em 2007; nas mulheres de 77,6 para 81,7 anos. Para o aumento da esperança de vida contribuiu a diminuição da taxa bruta de mortalidade, que caiu de 10,4 para 9,8 por cada mil habitantes, taxa que também beneficiou da evolução positiva de um dos raros indicadores em que Portugal surge entre os melhores do mundo, o da mortalidade infantil, cuja taxa baixou de 10,8 para 3,3 por cada mil nascimentos.

Da mesma forma que os portugueses vivem mais anos, também têm menos filhos. O número de nascimentos tem vindo a descer de forma sustentada e o índice sintético de fecundidade, que nos indica o número médio de filhos por mulher em idade fértil, caiu de 1,57 em 1990 para 1,37 em 2008. Para manter a população, este índice deveria situar-se nos 2,1, pelo que, apesar da redução da taxa de mortalidade, a diminuição do número de nascimentos permitiu que, em 2007, tivessem morrido mais pessoas em Portugal do que aquelas que nasceram nesse ano, o que não sucedia há quase um século, isto é, desde o fim da I Guerra e da época da chamada gripe pneumónica.

Em 2008 registou-se uma ligeira recuperação no número de nascimentos, mas os dados já conhecidos relativos a 2009 apontam para nova quebra. No ano passado por pouco que o número de nascimentos não ficou abaixo dos 100 mil, pelo que não surpreenderia se o índice de fecundidade, que ainda não foi calculado pelo INE, se viesse a situar abaixo dos 1,3 - um dos mais baixos da Europa.

Esta evolução da demografia tem consequências e, não por acaso, assistimos ao longo deste período a várias reformas do sistema de Segurança Social, três delas nos últimos dez anos. O que não surpreende: o sistema português de Segurança Social baseia-se na solidariedade intergeracional, isto é, a geração que está na vida activa desconta para os que estão reformados, na esperança de que a próxima geração desconte para pagar as suas futuras pensões. Ora em 1990 havia 4,9 indivíduos em idade activa por cada idoso, sendo que em 2008 essa relação tinha caído para 3,8. Mas como nem todos os indivíduos em idade activa estão a trabalhar e a descontar, sucedendo mesmo que muitos até já são pensionistas, em 2008 por cada 100 trabalhadores no activo já havia 50,1 reformados, número que se compara com os 44,1 que se registavam em 1990.

Se, ao mesmo tempo, nos lembrarmos de que, ao longo deste período, e a valores de 2000, a pensão mínima passou de 136 para 188 euros (um aumento de 38,4 por cento) e a pensão média anual de 2054 para 3622 euros (um aumento de 76 por cento), constatamos que se houve uma melhoria indiscutível das condições de vida dos pensionistas, até por comparação com o resto da população (recordemos que o PIB per capita só cresceu 31 por cento no mesmo período), isso começou a pesar cada vez mais nas contas públicas. Em 1990 a despesa com o sistema público de Segurança Social representava 7,9 por cento da riqueza produzida no país, em 2008 já ia nos 16,1 por cento. Assim, se em 1990 a contribuição dos portugueses para a sua Segurança Social estava muito abaixo da média dos países desenvolvidos, em 2008 já se aproximava do esforço realizado em países conhecidos pela solidez dos seus modelos sociais, como alguns dos países nórdicos.

De resto, o peso das despesas com a Segurança Social no PIB é outro daqueles índices que têm subido de forma sustentada, quer devido ao envelhecimento da população, quer ao aumento das pensões reais, quer à anemia do crescimento económico. A ligação da idade da aposentação à evolução da esperança de vida, concretizada através da última reforma do sistema, visa limitar o crescimento ilimitado - e insustentável - dos encargos com o pagamento das pensões. Por isso, convém não ter ilusões: a manterem-se as tendências demográficas actuais, quem hoje tem 50 anos dificilmente se reformará antes dos 70, e a maior dúvida está em saber qual o montante da sua reforma por comparação com o último salário; já para quem tem menos de 50 anos, a manterem-se as actuais tendências, não deveremos chegar a 2020 sem sermos obrigados a voltar a olhar de novo para as regras do jogo, por muito que isso seja difícil de assumir.

Uma história de sucesso: a saúde

Tal como as despesas com a Segurança Social, também as despesas com a Saúde - quer as despesas do Estado, quer as dos privados - têm crescido como se tivessem vida própria. E, de certa forma, têm: a evolução deste tipo de despesas está ligada à demografia (uma população envelhecida é uma população que exige mais cuidados de saúde) e, ao mesmo tempo, ligada à crescente sofisticação dos cuidados médicos.

Na campanha eleitoral de 1995 António Guterres, que espalhara cartazes pelo país a proclamar a paixão pela Educação, cometeu a sua famosa "gaffe do PIB" precisamente quando quis antecipar a evolução do investimento não em Educação, mas em Saúde. Quis fazer de cabeça a conta sobre quanto representaria investir mais um por cento do PIB em Saúde e... engasgou-se. Na prática, acabou por pegar num país onde o Estado gastara, em 1995, 3,6 por cento do PIB em Saúde para o deixar, seis anos depois, a gastar entre cinco e seis por cento. Não foi preciso ter feito a promessa para a cumprir...

Tomando apenas os dados da execução orçamental de 1990 e 2008, os gastos do Estado com a Saúde saltaram de 3,3 por cento do PIB para 5,6 por cento. Um ano antes, em 2007, o peso dos gastos do Estado foi idêntico, mas o total das despesas dos portugueses com saúde chegou a 9,4 por cento do PIB. Ou seja, nesse ano os portugueses gastaram do seu bolso, e com a sua saúde, o equivalente a cerca de 3,8 por cento do PIB.

Os bons resultados conseguidos no que respeita à taxa de mortalidade infantil, à taxa bruta de mortalidade e ainda à esperança de vida também podem ser relacionados com o aumento significativo do número dos profissionais de saúde: havia 28 mil médicos em 1990; contavam-se quase 39 mil em 2008, sendo que o número de enfermeiros ainda cresceu mais e mais depressa, passando dos mesmos 28 mil em 1990 para quase 57 mil.

Verdadeiramente explosiva foi a evolução no número de dentistas: em 1990 as estatísticas registavam a existência de 667 profissionais, em 2008 de 6033, isto é, nove vezes mais.

Justiça não ficou mais célere

Mas se na área da Saúde podemos encontrar uma correlação positiva entre o investimento público e privado e os resultados obtidos, assim como é positiva a correlação entre o número de profissionais e a qualidade dos serviços prestados, quando passamos à Justiça o balanço é negativo.

Nestes 20 anos o número de advogados quase triplicou (existiam 11.319 em 1990, eram 27.623 em 2008) e o número de magistrados também cresceu significativamente: tínhamos 1028 magistrados judiciais em 1991, saltámos para 1712 em 2008; havia 793 magistrados do Ministério Público em 1991, em 2008 já eram 1257. Em contrapartida não variou muito o número de processos entrados nos tribunais (723 mil contra 782 mil), mas a 31 de Dezembro de 2008 o número de processos pendentes ultrapassava o milhão e meio quando, a 31 de Dezembro de 1991, apenas transitaram para o ano seguinte 640 mil processos.

Ao mesmo tempo também aumentou o número de reclusos nas prisões (8874 em 1990, 10.807 em 2008, o que representa um acréscimo de 22 por cento) e triplicou o número de condenados por mil habitantes, que passou de 2,2 para 6,6.

Este aumento do número de presos e de condenações não parece traduzir-se numa maior tranquilidade das populações. Se nos últimos 15 anos o número de polícias subiu nove por cento, o número de queixas à polícia aumentou 55 por cento.

Por fim, e mais inquietante, nos tribunais a Justiça não se tornou mais célere: uma acção de inventário durava 23 meses em 1993, em 2008 demorava 67 meses; uma acção de responsabilidade civil passou de 21 para 26 meses; uma por dívidas de oito para 25 meses; um despejo de 10 para 20 meses; e uma acção de reivindicação da propriedade de 25 para 33 meses.

A única área em que houve uma evolução positiva no tempo de duração dos processos, mas por efeito de mudanças radicais na legislação, foi a das falências, que em 1993 demoravam 45 meses e hoje demoram apenas sete.

Mais: todos os principais indicadores de eficiência dos tribunais judiciais se degradaram ao longo destes 20 anos, pelo que não seriam sequer necessários "casos" mais ou menos mediáticos para colocar a Justiça entre os problemas que o regime democrático ainda não soube resolver e que, pela sua ineficácia, não só criam mal-estar entre a população como afastam investidores e minam a confiança dos diferentes agentes económicos.

É possível voltar

a crescer?

É neste ponto que chegamos a uma encruzilhada - e regressamos à pergunta com que abrimos este olhar comparado entre o Portugal de 1990 e o de hoje: já vimos que mudámos muito, mas será que mudámos realmente para melhor? Mais importante: podemos olhar com optimismo para o futuro?

Ao analisarmos os indicadores estatísticos, identificamos duas tendências: uns evoluem seguindo um padrão que vinha pelo menos desde a década de 1960, e tocam áreas tão distintas como os comportamentos sociais, a evolução da demografia ou o crescimento do Estado Social; outros mantiveram um sentido positivo durante a última década do século XX mas começaram a inverter a tendência por volta da viragem do século, como os referentes ao desempenho da nossa economia, à Justiça ou a alguns dos indicadores relativos à Educação.

O ponto de viragem parece situar-se algures entre o ano da "Expo" de Lisboa, 1998, e a descoberta do "pântano", no final de 2001. Pelo meio ficou um momento muito importante: a troca do escudo pelo euro em 1999. Nos extremos deste intervalo encontramos momentos psicológicos muito diferentes:

- Em 1990, o país, embalado pela recente adesão à Comunidade Europeia, registava a maior taxa de aumento do PIB de todo o pós-25 de Abril (7,9 por cento); o mundo saboreava a queda do Muro de Berlim e via abrir-se à sua frente um período que acreditava ser de paz e prosperidade a que se chegou a chamar "nova ordem mundial"; e os portugueses começavam a pensar que o velho sonho da convergência real com os nossos vizinhos europeus sucederia mais tarde ou mais cedo, que era só uma questão de tempo.

- Em 2010, o país, abalado por uma crise económica que não sabe se já acabou, tomou não só consciência da estagnação dos últimos anos como parece viver naquele clima de estranha apatia que, por vezes, antecede os sobressaltos; o mundo ainda tacteia para encontrar a melhor forma de recuperar o crescimento económico, mas, à escala do planeta, há muito que se perderam as ilusões numa "nova ordem" capaz de evitar os choques e os conflitos próprios à divisão de esferas de influência; e os portugueses, desanimados, até recomeçaram a emigrar, descrentes na possibilidade de um dia o seu país "dar a volta". (Segundo o Observatório da Emigração, sairão do país, todos os anos, 70 a 75 mil portugueses, o que se aproxima da média dos anos 60, os de mais forte emigração...)

Os que não partem, interrogam-se: haverá energias para "dar a volta"?

No passado, nalguns momentos críticos, foi possível beneficiar de fortes empurrões externos, como a adesão à EFTA, depois a entrada para a União Europeia, por fim o termos apanhado o comboio da moeda única. Agora ninguém está a ver que novo estímulo exterior poderemos receber e, em contrapartida, muitos interrogam-se sobre como levar a opinião pública a aceitar anos que serão, pelo menos no curto prazo, mais apertados, para não dizer mesmo mais pobres e de sacrifício.

Em muitos aspectos os últimos anos criaram maus hábitos, que as estatísticas voltam a ilustrar com eloquência. Os portugueses, por exemplo, trocaram a poupança pelo consumo, uma viragem que a baixa das taxas de juro associada à adesão ao euro estimulou. E há alguns números que são eloquentes:

- a poupança bruta das famílias em percentagem do rendimento disponível caiu de 19 por cento em 1990 para 10 por cento em 2000 e, em 2008, quedou-se nos 6,6 por cento;

- a preços constantes, o crédito à habitação saltou de 3,6 mil milhões de euros em 1994 para mais de 12 mil milhões em 1999, tendo-se desde então mantido num patamar que oscila entre os 10 mil milhões e os 12,5 mil milhões de euros;

- um terço das casas tem menos de 20 anos, pelo que o número de alojamentos familiares passou de 4,2 milhões em 1991 para 5,7 milhões em 2008, o que significa que num país com 3,9 milhões de famílias (incluindo as famílias unipessoais), existe hoje quase uma casa e meia por família, sinal de como é corrente a existência de uma segunda habitação;

- uma grande percentagem dos lares portugueses está hoje relativamente bem equipado, uma vez que 99 por cento têm televisão, 70 por cento micro-ondas, 63 por cento arca congeladora, 44 por cento computador, 42 por cento televisão por cabo ou parabólica e 35 por cento máquina de lavar louça, sendo que até o número de habitações com ar condicionado triplicou em 10 anos;

- apesar de todos os protestos que se costumam ouvir, o salário médio na administração pública subiu 60 por cento desde 1995, o que beneficia o sector onde o peso dos sindicatos é maior e menor o risco de desemprego.

Novos costumes e "capital social"

Mas os portugueses não trocaram só a poupança pelo consumo: em alguns sectores da população também não desapareceu, antes cresceu, uma cultura de dependência. Basta notar, por exemplo, que um em cada seis jovens recebe o subsídio social de inserção, uma proporção muito mais elevada do que nos restantes escalões etários. Isso também decorre da forma como a família evoluiu, prolongando tendências que já vinham de trás, mas que não serão sempre as melhores para assegurar a coesão social e, sobretudo, para garantir que se mantêm as redes de solidariedade familiar que, tradicionalmente, amortecem o impacto das crises.

Vejamos alguns indicadores. Primeiro a família nuclear tende a ser mais pequena: em 1990 tinha, em média, 3,1 pessoas; em 2008 passara para 2,8 pessoas. Depois aumentou o peso das famílias monoparentais, que passou de 6,3 para 8,1 por cento do total, sendo que as famílias monoparentais estão mais sujeitas ao risco de cair na pobreza. A diminuição do número médio de filhos por mulher foi acompanhado por um aumento da idade com que se tem o primeiro filho, que passou dos 24,7 para os 28,4 anos e é sintoma de uma maior presença das mulheres no mercado de trabalho e na luta por seguirem boas carreiras profissionais.

Ao mesmo tempo tornaram-se muito comuns as uniões informais, sem casamento, fenómeno que corresponde ao "espírito do tempo" mas de que não se conhecem eventuais consequências na estabilidade das relações familiares. O que se sabe é que, hoje, mais de um terço dos filhos (36,2 por cento em 2008) nasce fora do casamento, contra apenas um em cada sete em 1990. O número de divórcios aumentou e o de casamentos diminuiu, sendo que para cada 100 uniões se registaram em 2008 60 separações, o que contrasta com os 15 divórcios por cada 100 casamentos de 1990. A par da diminuição do número de casamentos (desceram de 71.654 para 43.228 entre 1990 e 2008) também diminuiu a percentagem dos casamentos religiosos (católicos). "Casar pela Igreja" já nem mobiliza metade dos casais, quando, há 20 anos, apelava a quase três quartos dos noivos.

Se olharmos para o já referido aumento do número das "famílias unipessoais", isto é, o número dos que vivem sozinhos, verificamos que ele aconteceu porque há mais idosos, onde as situações de solidão são mais frequentes, mas também porque o número dos "solitários" cresceu ao mesmo ritmo nos restantes escalões etários. A solidão já não é apenas um fenómeno da velhice.

Todos estes indicadores apontam para um país com famílias cada vez mais diferentes das que existiam há 20 anos, para não recuar mais no tempo. É clara uma muito maior informalidade nas relações, mas se nalgumas regiões e classes sociais isso aumenta o risco de deslaçamento das comunidades e de pobreza, noutros segmentos da população corresponde antes a uma opção de vida que não afecta a estabilidade das relações e do tecido familiar, antes reflecte outras formas de procurar a felicidade.

Faltam, porém, os estudos que permitam perceber melhor até que ponto estas alterações nos hábitos e costumes alteram, no caso português, aquilo que alguns estudiosos designam como o "capital social" de uma sociedade ou de uma cultura.

Mas algo pode antever-se: num país onde são raras as estruturas comunitárias e quase tudo sempre se passou apenas a dois níveis - o do Estado e o dos indivíduos nas suas famílias -, esta alteração pode tornar ainda mais dependente dos poderes públicos uma sociedade que já era débil e que, atomizando-se, mais débil pode ficar.

Não é certo que, em momentos difíceis, esta realidade consiga gerar o "capital social" necessário à reversão da tendência para a estagnação dos últimos dez anos.

In Publico

Notícia

Grande testamento :-..

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Não há duvidas nenhumas que estamos melhores agora que estávamos em 1990, se podiamos estar melhor? Claro que sim. Não acompanhámos a 100% as melhorias / evoluções que aconteceram em muitos países da Europa? É verdade que não mas em termos gerais também temos culpa nisso, as coisas mudaram muito e o Português é um bocado adverso à mudança, não nos conseguimos adaptar.

As conjunturas mudaram todas elas, economica, social, cultural, é tudo uma questão de nos adaptarmos e aprendermos a viver com essas novas realidades. E como digo é tudo uma questão de mentalidade. senão vejamos

Não havia auto estradas, agora há mandamos vir contra as portagens.

Não havia internet nem telemoveis, agora há mandamos vir porque a internet é um perigo, um vicio e os telemoveis causam cancro.

Não havia nem metade do poder de compra, agora há gastamos metade a comprar porcarias que não precisamos.

Não havia tanto licenciado, agora há estão no desemprego porque não querem desempenhar profissões ditas "menores"

E por aí fora.

Mas há uma coisa em que estamos anos luz pior: os politicos que temos! Porque se eles fossem melhores também o país estava melhor. Porque se juntarmos aos Tugas adversos à mudança, de profundo espirito negativo, egoista, preguiçoso, interesseiro, politicos de merda...

Resultado à vista, qualquer dia estamos como a Grécia.

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