@Vasco G Há muitas razões possíveis para isso.
Provavelmente a geração de médicos que está agora a sair da faculdade já percebeu que o que é pago a um médico em Portugal não compensa para o estilo de vida que isso significa. Não foram só as vagas de medicina interna que não foram preenchidas. Ficaram 27% das vagas de MGF por preencher e várias de outras especialidades também.
Medicina interna é preocupante porque essa é a especialidade em que se baseia o serviço de urgência e da qual este depende em grande medida.
Os médicos dessa especialidade trabalham noites e fins de semana, incluindo festividades, a sua vida profissional quase toda, e fazem centenas de horas extra ao ano. Para o que lhes pagam simplesmente não é atrativo.
Depois, falando de novo na globalidade, o que este concurso mostra é que as pessoas neste momento preferem não escolher uma especialidade do que ir para uma que lhes proporcione uma vida do estilo da descrita acima. Algumas provavelmente vão repetir o exame e tentar escolher a especialidade/local que querem mesmo para o ano e outras, provavelmente, vão emigrar e fazer o internato no estrangeiro. Entretanto, se cá ficarem, podem trabalhar como tarefeiros na urgência, em que ganham 3, 4 ou 5 vezes mais à hora do que um interno, trabalhando por disponibilidades e sem chatices. A fazer esse trabalho, também ganham mais do que um médico especialista com 12 ou 13 anos de formação.
É interessante ver que há uns anos atrás, quando aumentaram as vagas das faculdades, a ACSS esticou o número de vagas de especialidade e eram todas escolhidas até à última migalha e ficavam pessoas de fora, sem lugar para fazerem especialidade. Este ano, tal como no ano passado, várias centenas preferem não ter especialidade do que se submeter a um trabalho péssimo e mal pago.
Já agora, este foi o primeiro ano em que ficaram vagas por preencher no Grande Porto. Os hospitais de Lisboa têm uma situação ainda mais grave...
O governo insiste em aumentar as vagas nas faculdades (e também aumentará nos hospitais/CS para formação, agora que saiu a nova lei das ordens), mas cada vez mais se vê que isso não vai resolver absolutamente nada. Primeiro era o problema de fixar médicos no SNS depois de se tornarem especialistas, neste momento já nem conseguem atrair pessoas para fazer o internato em especialidades tão fundamentais. Se não mudarem alguma coisa nos próximos anos, vai ser verdadeiramente catastrófico. Mesmo que preencham as escalas de urgência, será com médicos sem especialidade, como já estão a fazer nos Centros de Saúde e a qualidade vai decair cada vez mais, como já se tem vindo a assistir.